terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Férias

O momento mais esperado do ano, certo?

Finalmente podemos descansar, fazer somente o que temos vontade, sem obrigações, cobranças, prazos, horários e tudo que tanto odiamos e reclamamos durante boa parte dos outros, sei lá, 11 meses?!?!?!

Passam os primeiros dias, onde você literalmente passa as longas horas do dia em estado semi-vegetativo. Aliás, normalmente você nem repara que essas horas tem realmente 60 minutos cada, elas costumam passar voando.

E depois de 96 dessas horas?

Seu condicionamento a planejar volta, não dá para passar as próximas 24 horas sem algum plano. Só que desta vez você pode guardar 9, 10 horas para o sono que era de 6. Pode encontrar alguém que você queira no meio da semana.

O horário é de sua escolha também e é bem capaz de você chegar antes do planejado, já que, pelo condicionamento, a conta leva em consideração pelo menos uma hora de trânsito. E se atrasar, qual o problema?

As "festas" também ocupam grande parte dos planejamentos de férias, assim como planejar a viagem. O natal, com todos seus presentes, chega perto de uma obrigação.

A verdade é que, de férias ou não, estamos sempre planejando.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Janie's Got A Gun

O nome. Muitas pessoas costumam começar uma história com o nome de seus personagens. Afinal, muitos já nascem com um nome. Outros o recebem na hora. O que quero dizer é que todos têm um nome, assim como todos morrem um dia. Na ordem cronológica dos fatos, recebemos o nome e depois morremos. Mas eu nunca disse que essa história seguiriam essa ordem. Na verdade, é justamente o contrario: ela começa com a morte e termina com um nome.
Para qualquer um que estivesse prestes a pegar o ônibus no ponto da rua Josteein, seria possível escutar o barulho perturbante das sirenes e até mesmo ver as luzes vermelho e azul oscilando distantes. No entanto, ninguém estava lá. Exceto pelo vulto encapuzado, sentando no banco desgastado de madeira. Ele ou ela encarava as mãos que brilhavam, carregando um objeto de alguns centímetros de diâmetro. Guardou-o na mochila, jogando-a em seguida nas costas. Então correu. E corria tão rápido, como se fugisse de alguma coisa. E fugia. Ele morrera e ela finalmente fugia.
Começou logo depois que sua mãe morrera. A doença acabou com ela, sem dar chances de qualquer reação. Câncer. O funeral foi acompanhado por uma tarde chuvosa. Ela carregava uma pequena flor nas mãos, uma margarida. Sua mãe sempre gostara de margaridas.
Assim que o caixão foi fechado e enterrado, seu pai levou-a para casa. Desde que acordara, a menina não escutara a voz do pai. Ela estava com 11 anos, naquela época. Logo que chegaram na casa, um pouco afastada do centro da cidade, ela foi para o quarto dormir. Nunca conseguia fazê-lo durante a tarde: uma linha de trem passava muito perto de sua casa e o barulho a impedia de pegar no sono. Mas naquela, conseguira. Até seu pai acordá-la.
Murmurando de sono, sentou-se na cama. Seu pai não a encarava diretamente. Primeiro, pegou em suas mãos. Apertava-as de um jeito estranho, nunca havia feito aquilo antes. Então ele fez o pedido.
- Tire a roupa.
Quando ele saiu, depois de quase uma hora, a menina sentia-se mergulhada num poço de lágrimas. Chorou durante e chorou depois. A partir daquele dia, aquela situação passou a fazer parte da rotina. Ia para a escola, voltava. Numa primeira impressão, era uma menina normal. Não era. E ninguém o acharia também, se soubessem. Mas ela nunca contou. Continuava sendo acordada no meio da noite.
Completara 19 anos e, mais do que nunca, sofria. Não mais ia para a escola, ficando em casa todo tempo. Seu pai bebia enquanto ela limpava a casa. Depois, acontecia. Ele nem precisava mais pedir. Era só escutar os passos pesados na escada e vê-lo se segurando na porta do quarto. Era só para isso que falava com ela.
Numa noite, eles escutaram um barulho alto vindo do quintal. Quando ela saiu da casa, seu pai carregava um arma e apontava-a para algum ponto no meio do mato. Atirou no ponto, não acertando nada. Voltaram para dentro e ela, para o quarto. Mas antes, esperou na escada, assistindo-o guardar a arma. Dentro de um saco de pano, escondida entre as cordas do piano que era de sua mãe. Sua mãe! Ah, se ela continuasse viva...Gostava de imaginar como seria sua vida.
Na noite seguinte, chovia muito forte. Dormira pensando em sua mãe e acabou sonhando com ela. Dizia para fugir dali. E que corresse, que corresse muito. No meio da madrugada, decidiu preparar uma mochila. Então fugiria! Ao passar pela sala, deu uma última olhada nos móveis, nos retratos. Viu-se sentada ao piano, no colo de sua mãe, enquanto esta lhe ensinava algumas cantigas simples. Lembrou-se da arma. Hesitou durante um bom tempo, decidindo-se em pegá-la. O fez com o maior cuidado e silêncio, guardando-a no bolso da calça. Correu.
Pela primeira vez, sentia-se livre. A roupa, molhada e pesada, não a incomodava. Parou de correr quando chegou a linha do trem. Decidiu seguir a linha, andando ao seu lado. Não havia se passado nem uma hora quando ouviu gritos. Era ele, correndo em sua direção.
- Onde vai? – gritou, finalmente aproximando-se. Ela queria sair correndo, queria mover-se, mas os pés estavam fixos na terra.
- Para longe de você! – gritou de volta, sentindo coragem e vontade de enfrentá-lo. Ele ameaçou aproximar-se mais e ela, por impulso, apontou-lhe a arma que estava no bolso.
- O que está fazendo? Eu sou seu pai!
- Você não é nada meu! – as lágrimas escorriam pelo seu rosto, misturando-se com a água da chuva.
- Me dá essa arma! – gritou ele, aproximando-se mais rápido. Seus braços oscilavam, cansados. Chegou a pensar que a arma cairia. Mas quanto mais ele se aproximava, mais ela se forçava a mantê-la apontada em sua direção. – Não sei porque você está assim! Não foi tão ruim...
Um tiro e um corpo caído. De tão perto que estava dos trilhos, acabou tombando sobre eles. Mais dois tiros foram disparados. Ela tremia, gemia. No desespero, começou a correr. Parou num ponto de ônibus, distante. Sabia que cedo ou tarde a policia chegaria. Os vizinhos escutaram os tiros. Sentou-se no banco de madeira, encarando as mãos e o objeto brilhante. Era Janie e ela tinha uma arma.


Baseado na música de mesmo título do Aerosmith

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O Carvalho

“Revolução! Restauração!” Essas e muitas outras palavras, principiadas de R ou não, dividiam espaço na boca gananciosa do gaiato burguês sedento de atenção que erguia os braços e os olhos no meio da praça, no meio do Outono.
As folhas já haviam saltado quase todas dos galhos secos e lavavam o chão sujo de pisadelas direcionadas à um destino. Como em toda manhã, o moleque fora buscar o leite na padaria e, seguindo o costume, aproveitara para contemplar o majestoso carvalho que assistira a cidade se formar em torno de si. Uma cidade que, agora, ambos assistiam afundar em desgraça.
Bento da Silva era nascido desde 1989, catequizado desde 1998 e estudado desde 2006. Fizesse o que fosse, teria o apoio de sua família formada apenas por mãe e três irmãs. Apesar de todo o incentivo que recebera para que fosse morar em São Paulo, optou pela comodidade do conhecido e permaneceu em sua terra. Não mais estudaria e sim trabalharia, cooperando com o sustento da família. Sua mãe tinha o coração apertado, devido a decisão do menino, receosa de que pai e filho acabassem por ter o mesmo destino.
Cansado da vida de sempre, José da Silva, ex-marido, se viu enfeitiçado pela última chance de aceitar a oportunidade que perdera na juventude. Acompanhando viajantes de mula, fugiu com a própria roupa do corpo deixando mulher e filhos para trás. Lurdes temia que o filme fosse rebobinado e a cena, repetida. Como solução, desaprovava qualquer mulher que Bento chegasse a gostar, as protegendo de um destino similar ao seu.
Afim de anteceder o momento em que o leitor irá cansar de carregar a pergunta “por que a desgraça?”, explicar-lhe-ei sem rodeios. Antes de Bento, mas não antes de Lurdes e de José, foi instaurada uma prefeitura fixa que nadava contra os ideais democráticos. Na verdade, era um governo disfarçado cujos pontos e as vírgulas todos reconheciam. Na época das eleições, os partidos concorriam em vão, ganhando sempre o mesmo e velho Partido do Povo. Ninguém acreditava na simples coincidência, mas não havia um só que se aventurasse em contrariar. Então, pergunta-me, por que a desgraça seria presenciada especialmente agora? Bom, para responder-lhe, teremos que viajar alguns passos pela linha do tempo que traçamos em curvas até agora.
No início de março, caminhando lado a lado com o outono, veio a seca. Assassina e impiedosa, desolou o restante de esperança dos que sobrevivem da terra, arrastando consigo a fome e a pobreza. Como estes são maioria na cidade, a população foi afetada e mergulhada em desgraça. A prefeitura nada fez para amortecer a crise, assim como a maioria das prefeituras, governos e presidências que conheço. Com o passar do tempo, as pessoas se acostumaram ao convívio com tais situações. Mas Bento, ainda era daqueles que sonhavam.
Sim, para que existam os descrentes deve existir os incrédulos, pois são eles que lhes dão a caracterização do adjetivo. Afinal, nada se pode ser sem um oposto, uma contradição. Se todos fossemos desacreditados, no que nos basearíamos para criar o significado da palavra? Pois nos baseamos no contrário. Não existe o eu sem o você, assim como não existe o nós sem o eles. Bento era o antagonista de todos os companheiros de cidade. Ele e o carvalho centenário que o observava.
Apesar das ações ensaiadas, aquela manhã diante do carvalho parecia-lhe ostentada por um ar de não-sei-o-que misterioso. O menino gastara mais tempo esquentando o banco no qual sentava usualmente, deixando o carvalho impaciente. Auxiliado pelo vento, forçou-se a derrubar a última folha. A pequena, dançando uma melodia única, rodopiou até pousar no ombro de Bento. O moleque recolheu-a com delicadeza, apreciando-a entre suas mãos de menino-homem. Não tardou a segredar à folha suas aflitivas opiniões de quem sonha, ao que ela lhe respondeu: “Grite”. Movido de um impulso próprio e um incentivo do diálogo, que na verdade não era nada além de si mesmo consigo, Bento gritou as palavras que decoram a primeira linha desse escrito. Peço-lhe que refaça os passos, caso não se lembre: a preguiça dos dedos me impede de fazê-lo eu mesmo.
Os ocupados e desocupados ao redor, pararam estáticos diante de um menino em pleno monólogo revolucionário. Assimilando as palavras, tornaram-se cabisbaixos. Temiam a opressão das palavras em seus ouvidos. Antes que servissem de estimulante para o locutor das idéias, seguiram os passos. Bento permaneceu imóvel, entorpecido. Um homem, o mais próximo, proferiu-lhe um pedido de silêncio e calma. Seu ouvido ensurdecera. Retornando, após alguns segundos, virou-se para a árvore. Atirou-lhe um pedido de desculpas e um sorriso tímido, envergonhado, virando-lhe as costas para o nunca mais. Na semana seguinte estava em um ônibus para São Paulo, enquanto a árvore permanecera lá. Mas não por muito tempo mais, pois os cidadãos suspeitaram de suas manifestações, substituindo-a por uma nova farmácia.
O que quero dizer? Bom...uma sociedade só pode ser considerada perdida, quando deixa se perder. Sempre existirão os que se consideram perdidos e os que fazem de tudo para se encontrar. Qual dos dois você pensa que é?